sexta-feira, 27 de maio de 2011

Ana Teresa Pereira (2)



"Quando parou de chover ela saiu do chalé e ficou distraída a olhar os canteiros cheios de urtigas; senti o desejo de que cuidasse das minhas plantas, como cuidara durante alguns minutos dos meus barcos e dos meus livros, das coisas que as minhas mãos tocaram e amaram.
Lavanda marítima, que tolera o vento do mar e o solo salgado; unha-de-gato, que cresce bem em lugares solarengos e ventosos e no solo mais seco e arenoso; rosas da rocha, com as suas flores cor-de-rosa e brancas. E num canto mais protegido, miosótis, que plantei num mês de Julho e deram flor na Primavera seguinte, flores azuis, rosas e brancas; devem ter sido os primeiros a morrer.
Quando ela foi embora peguei num dos barcos que limpara com o lenço. Parecia-se com o meu. Era verde e branco e tinha uma pequena cabina, velas de tecido áspero. Em criança, gostava de barcos dentro de garrafas. O meu pai comprava-me um de vez em quando. Eu imaginava-o a caminhar nas ruas junto ao rio, no meio do nevoeiro, e a entrar nas lojas escuras, ate encontrar um barco dentro de uma garrafa, uma velha bússola, um mapa antigo, um caderno de bordo. Uma história de piratas esgotada há muito tempo.
Os meus livros. Eu compreendi que o meu pai tinha morrido quando rocei a mão pelos seus livros e pensei que ele não os voltaria a ler. E fiquei a tarde inteira na biblioteca. Uma garrafa de xerez, um cinzeiro cheio de beatas. E rosas muito abertas que começavam a perder as pétalas."

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