"Conheço uma velha parede onde os sonhos se refugiam todos os dias
ao fim da tarde. Os mais ambiciosos julgam que a velha parede é um
mealheiro, e alguns chegam mesmo a confundi-la com um pote de
moedas guardado por mouras encantadas ou onde nasce o arco-íris.
Incólume à ambição, a parede continua a envelhecer ao ritmos dos
sonhos, que a procuram silenciosos e cansados, à medida que o sol se
esconde atrás da parede onde se refugiam.
Creio que só as crianças conhecem o verdadeiro segredo da parede.
A chave que dá acesso aos sonhos acumulados durante séculos, e que
consiste em considerá-la apenas uma velha parede: onde se escondem
quando brincam às escondidas e usam como baliza quando jogam à
bola. Ou vão ainda mais longe, e garatujam também um sonho na cal
da velha parede, com mão incerta mas determinada."
in Telhados de Vidro n.º11, Averno
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