quarta-feira, 14 de novembro de 2012

Diogo Vaz Pinto (3)


A Alguns Gritos de Distância 

                                más allá qualquier zona prohibida
                            bay un espejo para nuestra triste transparencia
                                                                               Alejandra Pizarnick

I

"A dois gritos e meio de distância
a surdez que se mancha
das cores que me sobraram. Sinto
com a voz, e esta só me dói quando fica
presa às coisas numa evasão
descritiva, palavras abertas
como lâminas sonhando junto
aos pulsos.

A sul disto não encontro mais nada,
só a boca escancarada do silêncio, suja
aos cantos de ideias que
se despenharam, e nós,
dois ou três ou mais, escrevendo
enquanto lhes apodrecemos
na garganta.

Sob sóis apagados, flores quer bebem
no escuro, escutando, cheirando
estas mãos e aquilo que lhes dou, e nada
disto é ainda poesia, mau hálito tão só.
Um eflúvio de frias imagens rente
ao torpor destes lábios. Já o sabes,
agora anda - faz-me o favor - 
desvia-te que me aborrece ter que
arrastar também esses dois olhos.

II

A sós, levei-me a uma praça onde o vento,
como tudo, me foi desfavorável, mas gostei
(e como) de deixar correr um grosso fio
de urina na minha sombra. Sentei-me depois,
abri o caderno e a noite, descalça,
passou-lhe por cima, toda mal pintada,
descabelada, rindo-se
sozinha e provocando a clientela
com os seus truques de puta eterna.

Nas calças desmanchava-se de novo
o sexo, lembrança vadia cuspindo-se
e puxando para trás, para a oleosa névoa
de um bar: estofos furados, o leve
desgaste nas mesas e os nomes
arranhados nos braços de um vazio
melodioso.

Canções que chegam muito tarde,
e se servem da carne de quem 
nem talvez conheça outro descanso.
Um mal-estar cheio de gente encostada,
querendo deixar a vida
à primeira rima que facilite
um ponto final neste português
que tão devagar se suicida."

in Nervo, Averno

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