domingo, 25 de novembro de 2012

Inês Dias e Diogo Vaz Pinto (3)

[Três]

"Não ficamos menos sozinhos; coincidimos na solidão. No seu núcleo. No escuro: tornamos-lhe a carne íntima, sem cantos, deixamo-lo fazer ninho dentro de nós. Pelo caminho abandona-se essa perfeição inacessível da gota que foge lentamente com a luz ao longo da garrafa, mas do lado de dentro do vidro. Aprendemos a esvaziar os bolsos até saírem todas as borboletas de asas lascadas, lançamos armadas de papel. E em vez de afogarmos a beleza que nasce destruída, damos-lhe casa, alimento, um nome para que a possamos chamar de volta em cada entardecer.
Acabaram-se as imagens, as palavras cedem a lentos rumores que nos entontecem. Da alma não esperamos mais que um encosto para horas destas em que nos falta melhor disposição. Corpos. Como dizer de outra forma a pose em que vimos extinguir-se o fogo? Não passamos de estátuas de cinza que o vento comove e dispersa. Jardins salivando, figuras num museu de alucinação. Há gestos que nos recordam, insistências que imploram ao olhar que se fixe nalgum detalhe. Faz-nos falta uma filosofia que ligue e adoce as nossas ideias, lhes dê um propósito qualquer. Divagas demais. Levas para todo o lado essa garrafa com restos de mau vinho, onde sopras e embalas o nome da empregada, esse segredo e um assobio que vem cavalgando brisas de toda a espécie. Coleccionas aí o teu eterno naufrágio. Não vais a lugar nenhum. Chamas a isto o teu país, e prefere-lo assim: deserto."

in Revista Cão Celeste nº2

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