quinta-feira, 22 de novembro de 2012

Amadeu Baptista

Dois mil e quatro

"Ainda bem que sou um homem do norte.

Ainda bem que tenho um horror suculento 
a parasitas pardos e viúvas negras.

Ainda bem que evoluo na travessia das nuvens,
e acredito
e aceito, ainda.

Ainda bem que num momento particular
estou em presença de um torso
e um cavalo a arder,
um sinal de vida sobre o campo visual.

Ainda bem que não mastigo bem,
não digiro bem
não dirijo bem,
e choro como uma criança.

Ainda bem que as formas circuncêntricas
se explanam como processos escultóricos
e a manhã deste outono anunciado
é primaveril.

Ainda bem que nas paisagens reais
não há seres indefesos
- não há seres indefensáveis
neste rede de hipóteses cruéis e sanguinárias.

Ainda bem que a irregularidade é a única lei
dos fora da lei
no outro lado da rua,
há uma curva,
depois um bosque,
depois uma depressão no terreno
que denominamos com contracções musculares,
sobreposição de imagens,
Deus, na aula de trabalhos manuais.

Ainda bem que, após a fuga
há uma casa na árvore para retemperar as forças.

Ainda bem que sou um homem de sorte."

in Açougue, & etc

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