segunda-feira, 8 de outubro de 2012

Jorge Roque (5)

Diferença

"Não te afastes. Não me finjas outro que sabes não sou. Escuta
a dor da minha diferença, escuta a ferida que nela lateja. Para
me veres nos meus olhos nus, não podes ter medo do meu rosto verdadeiro.
Escuta, sou eu quem te fala (desdobro-me em palavras para chegar a ti,
desdobro-me em gestos que nunca te alcançam.) Custa esta violência surda,
de nada, de ninguém, de mim e ti, todos nós, custa sobretudo porque sem palavras
(por isso, repara, calo cada vez mais). Custa estar tão só nesta diferença que só
pode ser um corpo, neste silêncio que é a forma da tua boca fechada, morte que
avança e tem o teu olhar (é esse mesmo que vejo no espelho).
Custa esse teu grito, último gesto, sei-o bem, último apelo, desencontrar-me,
seguir para lá de mim, extinguir-se ninguém. Mas ainda assim não te afastes.
Escuto a tua ferida, nela corre sangue igual ao meu,
Estás só, por isso estás comigo.

in Broto Sofro, Averno

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