quinta-feira, 25 de outubro de 2012

Helder Moura Pereira (6)


"Tu és uma melodia daquelas que não saem
da cabeça, por mais que a gente se esforce,
por mais que a gente não queira.
E agora já não és melodia, agora és martelo
a massacrar a minha alma estarrecida.
Cruzaste-te comigo num céu de cinzas, pobre 
mendigo de vontades alheias.

Reconstituímos uma falsa infância
com uma lucidez que se aproxima da demência,
leituras de retratos, caligrafias, procurando
alguém que não existiu, que se metamorfoseou.
Porque sei eu que sou eu naquele barco,
naquela canoa, com aquele lenço, com aquela
pessoa? Disseram-me e eu acreditei.

Houve um tempo em que a raiva nascia
na minha pele e contudo agora
ao ver o que ficou desse meu tempo
parece que escrevi receitas de bolos
e nem uma única festiva canção.

Perderam-me e portanto quando me encontraste
eu era um ser à deriva e fácil de encontrar.
Aldeia riscada do mapa, um pardalito
assustado, cabeça cheia de saberes
desgastados, inúteis e esquecidos."

in Se as Coisas não Fossem o Que São

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