sexta-feira, 14 de dezembro de 2012

Carlos Bessa

Story Board

"Começa com o dia a story board
de sair de casa, chegar ao emprego,
ir depois comer qualquer coisa. A vida
toda entregue ao mercado negro,
ao tráfico das belas palavras, nas filas
de espera, nas paragens de autocarro,
de janela para janela do automóvel.
Sobretudo na pausa para o café.
A coleccionar os engarrafamentos
e os desastres da rotina,
de comentário em comentário,
porque mesmo contra nós o frio é
um poderoso aliado da memória.

Há maneiras e maneiras de levar
os alimentos à fonte, pensava,
na hora dos noticiários, enquanto
raspava os pratos e juntava os talheres.
A ordem não pode ser esta.
São muitos saltos. Talvez, hipnodependente,
seja uma insónia, uma lenda que
começa assim: sem fome. Talvez
seja um puzzle a que faltam peças
ou então é a ordem do dia-a-dia que
se torna absurda quando pensada.
Alguns preferem chamar-lhe poesia
mas sei que é prosa e da mais impura."

in Telhados de Vidro nº3, Averno

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