"regressei com a água das grandes catástrofes, quebrei portas de cidades
muradas. habitei no vento das pestes nocturnas, corri pelo coração das pedras
luminescentes e sonhei, inundei o olhar das estátuas com florescências de
sangue e desapareci ao amanhecer.
fiquei deitado, talvez doente, junto à lareira. o lodo espesso da febre agarrado
ao peito. escrevi sem parar e nunca mais falei dele, nem mesmo quando os pássaros
cantaram ao confundirem a luz da lâmpada com a claridade limpa da alba.
lembro-me que era quase sempre noite. esperei que a maré cerzisse o sal
aos punhos acordados daquele que escreve e regressei. a noite persistia na
superfície dos espelhos, limpava definitivamente o fingimento das palavras.
hoje, muito pouco resta das casas caiadas de fresco. possuímos pouca
coisa, o indispensável para a travessia do deserto.
a espera, a espera de mim mesmo acabara. estou agora vivo na escrita que
me define, me evoca, e me esquece, mas soaria a falso o que tenho a dizer
sobre a morte, calo-me..."
in O Medo, Assírio & Alvim
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