quarta-feira, 19 de outubro de 2011

Thomas Mann


"Era vontade de viajar, nada mais; mas uma vontade que o atacava, atingindo proporções dolorosas, quase de alucinação. A sua ânsia tornou-se visionária, a imaginação, animada ainda pelas horas de trabalho, recriou de uma só vez todas as maravilhas e horrores da Terra: e viu, viu uma paisagem tropical sob um céu espesso, um pântano húmido, opulento e insalubre, um ermo primitivo de ilhotas, pauis e rios de lodo - viu os braços peludos de palmeiras erguerem-se ao longe e de perto por entre a vegetação luxuriante, por entre o solo coberto de plantas que brotavam carnudas, desmedidas e aventureiras, viu árvores estranhamente amorfas com raízes que se desprendiam do tronco e atravessavam o ar para se afundarem na terra ou nas águas estagnadas, onde entre reflexos esverdeados flutuavam enormes flores brancas como leite, grandes como pratos, e pássaros exóticos, com asas em corcunda, bicos informes e pernas altas, olhavam imóveis para o lado, viu por entre as hastes nodosas de um canavial a faísca fosforescente dos olhos de um tigre - e sentiu o coração palpitar de terror, um desejo indecifrável. Depois a visão dissipou-se; e com um leve estremecer da cabeça, Aschenbach retomou o seu caminho ao longo das cercas das marmorarias." 

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