terça-feira, 25 de outubro de 2011

Telhados de Vidro (8)


"O inferno não está antes da memória do amor. É um lugar sem apelo; só a nossa reverência o vislumbra e respeita, em símbolos que dele traçam uma distância, um temor, quem sabe se não uma saudade? Ninguém vai para o inferno por lapso, por distracção, porque está de acordo ou desacordo, porque se tornou sentido obrigatório. De vertigem em vertigem, vai-se perdendo o passo. E fica-se cego.


Ou então, em vez das pedras, as dunas e os cães abandonados. Ficar ali suspenso sobre o mar. Ali, onde a caixa branca não existia, porque o infinito lhe apagava os contornos e tudo se reunia num enlace mais forte que a morte e a vida. Não precisou de roubar a noite. Criou a noite. A lua sobre a música. A nuvem passa, vagamente, indefinida. E repete-se o passar, a tensão. Aquela nuvem, estes olhos, esta tinta. Até ser música e ter havido um pretexto. A vida nunca dava um romance. nem uma lição. Ou um crime. Nada a declarar. Os vidros, as lâminas, atravessam-lhe a memória e tingem-se de sol. Ilegível essa mistura da noite com o sol."


Silvina Rodrigues Lopes


*Telhados de vidro nº3 da (fabulosa) Averno

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