sexta-feira, 3 de junho de 2011

Ana Teresa Pereira (3)



"A noite passada sonhei que tinha voltado à casa do avô. O jardim estava submerso em nevoeiro e o vento muito frio trazia-nos os sons indistintos da charneca.
Nós brincávamos aos fantasmas. 
- Não vêem um fantasma naquela janela?
Lizzie, Miranda, John e eu. Devíamos ter nove ou dez anos, como na altura em que nos conhecemos. A primeira vez que os nosso pais nos mandaram para a casa do avô, nas férias de Verão.
Era o tempo em que acreditávamos em seis coisas impossíveis antes do pequeno almoço...
Quando despertei pareceu-me ouvir ainda as nossas vozes ao longe... Mas não havia nevoeiro. O sol brilhava num céu muito azul. (...) vim para a biblioteca do avô, porque estou a escrever um livro. Escrevo um pouco todas as manhãs: frases soltas, versos; listas de personagens, notas para um enredo vagamente policial. 
Na verdade, passo a manhã quase toda a ler ou sentado na poltrona mais próxima da lareira a fumar. E a pensar nela.
Acho que nunca pensei tanto numa mulher. Nem mesmo em Lizzie. E eu amava Lizzie.
Eu finjo acreditar que ela é a Lizzie. Nunca mais lhe chamei Miranda; seria como acordar uma criança que está a dormir; ou interromper os passos de um sonâmbulo.
Porque ela pensa que é a Lizzie. 
Percebi isso naquele dia, quando me falou dos amigos imaginários.
A morte de John não afectou muito. Mas Lizzie era a sua irmã gémea. As duas metades de um mesmo ser..."




*Dedicado a quem como eu ama o "mundo" de Ana Teresa Pereira:  Raquel, Duarte e Neusa. 

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