"Os meus livros (que não sabem que existo) São uma parte de mim, como este rosto De têmporas e olhos já cinzentos Que em vão vou procurando nos espelhos" Jorge Luis Borges
quinta-feira, 30 de junho de 2011
quarta-feira, 29 de junho de 2011
A Livreira (6)
A livreira anda louca e num frenesim.
A livraria está de pernas para o ar!
Tropeça a cada passo que dá!
Só vê caixas e mais caixas e mais caixas cheias de livros...
Facturas, etiquetas, preços, descontos, números...
Pela primeira vez a livreira vai ter um L grande, vai participar na feira do livro da cidade.
E agora está com enormes problemas para resolver, um deles é o que fazer com a torre de livros que já colocou de parte para si mesma. ( A Relógio d'Água e a Averno parte-lhe o coração)
Será que vai fazer dinheiro suficiente na feira para "pagar" a sua torre?
A livraria está de pernas para o ar!
Tropeça a cada passo que dá!
Só vê caixas e mais caixas e mais caixas cheias de livros...
Facturas, etiquetas, preços, descontos, números...
Pela primeira vez a livreira vai ter um L grande, vai participar na feira do livro da cidade.
E agora está com enormes problemas para resolver, um deles é o que fazer com a torre de livros que já colocou de parte para si mesma. ( A Relógio d'Água e a Averno parte-lhe o coração)
Será que vai fazer dinheiro suficiente na feira para "pagar" a sua torre?
domingo, 26 de junho de 2011
Ana Teresa Pereira (4)
"Katie arrumou os livros de Enid Blyton na estante. Os velhos volumes da colecção aventura de que gostava tanto quando era menina. The Valley of Adventure era um dos melhores livros que lera na sua vida. Gostava de voltar de tempos a tempos, ao vale abandonado, que talvez fosse um vale maldito. Aquele mundo em que regresso ao útero era o mais importante, as grutas, as passagens secretas, os compartimentos secretos. E as imagens que podiam ser fortes: uma queda de água, um farol abandonado, uma charneca, um castelo, uma casa sobre as rochas. E as personagens que amavam os pássaros, que sabiam cativar os animais, mesmo os mais selvagens."
sábado, 25 de junho de 2011
Manuel de Freitas (3)
ERRATA
Onde se lê Deus deve ler-se morte.
Onde se lê poesia deve ler-se nada.
Onde se lê literatura deve ler-se o quê?
Onde se lê eu deve ler-se morte.
Onde se lê poesia deve ler-se nada.
Onde se lê literatura deve ler-se o quê?
Onde se lê eu deve ler-se morte.
Onde se lê amor deve ler-se Inês.
Onde se lê gato deve ler-se Barnabé.
Onde se lê amizade deve ler-se amizade.
Onde se lê gato deve ler-se Barnabé.
Onde se lê amizade deve ler-se amizade.
Onde se lê taberna deve ler-se salvação.
Onde se lê taberna deve ler-se perdição.
Onde se lê mundo deve ler-se tirem-me daqui.
Onde se lê taberna deve ler-se perdição.
Onde se lê mundo deve ler-se tirem-me daqui.
Onde se lê Manuel de Freitas deve ser
com certeza um sítio muito triste.
com certeza um sítio muito triste.
Denis Johnson
"Os glaciares tinham arrasado com esta região no tempo antes da História. Tinha havido uma seca durante anos e um nevoeiro de poeira cor de bronze erguia-se acima da planície. A plantação das sementes de soja estava outra vez morta e as espigas de milho, definhadas e murchas, caídas na terra como filas de nada. A maioria dos agricultores já nem sequer plantava. Todas as falsas visões tinham sido apagadas. Parecia o momento anterior à chegada do nosso Salvador. E o Salvador chegou, mas tivemos de esperar muito tempo."
Don DeLillo
"Parado na cozinha, ele chamou-a pelo nome. Depois percorreu a casa, à procura. Eu queria dizer-lhe que ela tinha ido dar um passeio. Mas teria soado a falso. Ela não fazia isso naquele lugar. Não fizera isso uma só vez desde que ali chegara. Deixei as compras na bancada da cozinha e saí de casa para examinar as cercanias mais próximas, abrindo caminho a pontapé por entre arbustos espinhosos e baixando-me sob galhos de mezquite. Não sabia ao certo de que é que andava à procura.
O meu carro alugado continuava onde eu o deixara. Examinei o interior do automóvel e depois tentei descobrir marcas frescas de pneus no acesso arenoso à casa, e, mais tarde, ambos parados na varanda, fitámos a quietude.
Era difícil pensar com lucidez. A monumentalidade daquilo, toda aquela região deserta."
quarta-feira, 22 de junho de 2011
Telhados de Vidro (5)
2
"Quando me levanto, não sei se estou doente ou se é só a solidão. Foram estas as tuas palavras ao balcão, entre as pessoas que entravam e saíam, e nenhuma reparava que havia alguém ali a gritar uma dor que de tão funda não se ouvia. Mal te conheço, mas depois disto é como se nos conhecêssemos. Talvez um dia use esse batom vermelho, esses brincos dourados de metal barato a coroar o penteado de cabeleireiro, e no sorriso a mesma largura triste de uma distância que jamais se alcançará (será ela que nos une uma vez mais). Antes disso, vou falar-te das minhas manhãs quando me levanto. Um peso no corpo, uma morte no olhar, corredor estreito por onde os passos avançam em direcção ao copo onde dissolvo a vitamina C em água. Logo o cigarro, a primeira baforada, como se uma esperança, embora uma esperança de nada. Seguir para o banho, copo e cigarro, o espelho em frente, cercado por azulejos brancos macabros. O resto já sabes, não preciso dizê-lo. Somos assim dois, eu e tu. Guarda segredo.
Jorge Roque
*Na Telhados de Vidro nº14 da (fabulosa) Averno
Al Berto (2)
Visita-me Enquanto não Envelheço"visita-me enquanto não envelheço
toma estas palavras cheias de medo e surpreende-me
com teu rosto de Modigliani suicidado
tenho uma varanda ampla cheia de malvas
e o marulhar das noites povoadas de peixes voadores
ver-me antes que a bruma contamine os alicerces
as pedras nacaradas deste vulcão a lava do desejo
subindo à boca sulfurosa dos espelhos
antes que desperte em mim o grito
dalguma terna Jeanne Hébuterne a paixão
derrama-se quando tua ausência se prende às veias
prontas a esvaziarem-se do rubro ouro
perco-te no sono das marítimas paisagens
estas feridas de barro e quartzo
os olhos escancarados para a infindável água
com teu sabor de açúcar queimado em redor da noite
sonhar perto do coração que não sabe como tocar-te"
toma estas palavras cheias de medo e surpreende-me
com teu rosto de Modigliani suicidado
tenho uma varanda ampla cheia de malvas
e o marulhar das noites povoadas de peixes voadores
ver-me antes que a bruma contamine os alicerces
as pedras nacaradas deste vulcão a lava do desejo
subindo à boca sulfurosa dos espelhos
antes que desperte em mim o grito
dalguma terna Jeanne Hébuterne a paixão
derrama-se quando tua ausência se prende às veias
prontas a esvaziarem-se do rubro ouro
perco-te no sono das marítimas paisagens
estas feridas de barro e quartzo
os olhos escancarados para a infindável água
com teu sabor de açúcar queimado em redor da noite
sonhar perto do coração que não sabe como tocar-te"
terça-feira, 21 de junho de 2011
Daphne Du Maurier
"Já não reinaria este silêncio. Uma tábua do soalho rangeu na galeria. Virei-me e olhei para trás de mim. Não estava lá ninguém. A galeria continuava deserta. Mas senti uma corrente de ar na cara, alguém devia ter deixado uma janela aberta num dos corredores. O murmúrio de vozes prosseguia na sala de jantar. Estranhei que a tábua rangesse sem eu me ter mexido. O calor da noite, talvez, a velha madeira a inchar nalgum sítio. Mas a corrente de ar na cara mantinha-se. Uma partitura numa das estantes esvoaçou para o chão. Olhei para o arco ao cimo da escadaria. A corrente de ar vinha de lá. Passei de novo por ele e quando cheguei ao longo corredor vi que a porta para a ala oeste se abrira toda e batia contra a parede. Estava escuro no corredor, nenhuma das luzes acesas. Senti o vento soprar-me para a cara, de uma janela aberta. Tacteei à procura de um interruptor mas não o achei. Consegui ver a janela de lado, a cortina a ondular suavemente, para trás e para diante. A luz pardacenta da noite projectava sombras no chão. O barulho do mar chegava até mim pela janela aberta, o débil silvo da maré vazante a deixar cascalho."
Não fui fechar a janela. Fiquei lá um momento, arrepiada no meu vestido fino, escutando o suspiro do mar que se afastava da praia.
Confusões, tropeções e demais situações na vida de livreiro (14)
Cliente - Por favor! Por acaso não tem livros sobre aves?
Eu - Sim, tenho alguns que lhe posso mostrar.
Cliente - Eu adoro aves, todo o tipo, vê-las a voar na natureza, é tão bonito.
Eu - Tenho aqui um álbum de aves que é o indicado para si. É muito belo.
Cliente - Mais uma coisa! Tem livros de culinária?
Eu - Sim, claro. Deseja algum em especial.
Cliente - Sim um que ensine a cozinhar aves.
Eu - Sim, tenho alguns que lhe posso mostrar.
Cliente - Eu adoro aves, todo o tipo, vê-las a voar na natureza, é tão bonito.
Eu - Tenho aqui um álbum de aves que é o indicado para si. É muito belo.
Cliente - Mais uma coisa! Tem livros de culinária?
Eu - Sim, claro. Deseja algum em especial.
Cliente - Sim um que ensine a cozinhar aves.
domingo, 19 de junho de 2011
Gustave Flaubert (2)
"Pensava algumas vezes, no entanto, que eram aqueles os melhores dias da sua vida, a lua-de-mel, como era uso dizer-se. Para lhe saborear toda a doçura, teria sido preciso, sem dúvida, irem para aqueles países de nomes sonoros onde os dias que seguem ao casamento decorrem em suave indolência! Em segues de posta, por detrás de estores de seda azul, as pessoas são transportadas a passo por encostas escarpadas, ouvindo o cantar do postilhão, que ecoa pela montanha juntando-se aos guizos das cabras e ao ruído surdo da cascata. Pelo pôr do sol, respira-se à beira dos golfos o perfume dos limoeiros; depois, à noite, nos terraços das vivendas, ambos sós, com os dedos entrelaçados, contemplam-se as estrelas, delineando projectos. Parecia-lhe que certos lugares da terra deviam produzir felicidade, como uma planta própria do solo e que se desenvolve mal em qualquer outra parte. Que pena não poder encostar-se na varanda dum chalé suiço ou encerrar a sua tristeza num cottage escocês, ao lado dum marido que vestisse casaca de veludo preto com abas compridas, e usasse botas de polimento, chapéu alto e punhos postiços!
sábado, 18 de junho de 2011
A Livreira (5)
São 54.
A cada dia 18 de Junho acrescentavas mais um ano à tua vida. Hoje como sempre iria aparecer-te com um bolo de arroz logo de manhã, onde tentaria colocar as 54 velas, o ano passado consegui pôr as 53. Rias dessa minha parvoíce, mas o que eu desejava era ouvir-te rir.
Hoje o dia será penoso, seremos todos menos um à mesa. E não haverá bolo. Continuará a haver sorrisos porque é isso que desejarias. E o amor que temos por ti nunca diminuirá, mesmo daqui a 30 anos no dia em que eu iria de certeza bater um recorde e pôr 84 velas num simples bolo de arroz.
A cada dia 18 de Junho acrescentavas mais um ano à tua vida. Hoje como sempre iria aparecer-te com um bolo de arroz logo de manhã, onde tentaria colocar as 54 velas, o ano passado consegui pôr as 53. Rias dessa minha parvoíce, mas o que eu desejava era ouvir-te rir.
Hoje o dia será penoso, seremos todos menos um à mesa. E não haverá bolo. Continuará a haver sorrisos porque é isso que desejarias. E o amor que temos por ti nunca diminuirá, mesmo daqui a 30 anos no dia em que eu iria de certeza bater um recorde e pôr 84 velas num simples bolo de arroz.
quinta-feira, 16 de junho de 2011
Renata Correia Botelho
A SETA
para o meu pai
"o tempo, espelho tosco com que
fintamos a morte, apontando para nós
como a lança do arqueiro;
hesita, por um instante apenas,
para depois avançar, implacável
e sem retorno, na nossa direcção.
mas a feroz verdade da seta
(a um brevíssimo suspiro do embate)
é aplacada pela memória,
um libertador bater de asas
que nos recolhe das águas
quando a tempestade nos arrasta."
*Da (fabulosa) Averno
quarta-feira, 15 de junho de 2011
Franz Kafka (2)
"Quando Gregor Samsa despertou uma manhã na sua cama de sonhos inquietos, viu-se metamorfoseado num monstruoso insecto. Estava deitado sobre as costas duras como uma couraça e, levantando um pouco a cabeça, via a barriga abobadada, castanha, seccionada por segmentos em arco e tão alta que a coberta da cama já mal se mantinha e começava a escorregar para o lado. As suas muitas patas, miseravelmente finas em comparação com o volume do corpo, tremulavam desamparadas diante dos seus olhos.
«O que é que me aconteceu?» pensou ele. Não era apenas um sonho. O seu quarto, um quarto humano normal, apenas demasiado pequeno, continuava tranquilo entre as quatro paredes bem conhecidas."
segunda-feira, 13 de junho de 2011
Quando a luz se apaga nas janelas Perde a estrela d'alva o seu fulgor
*Em memória de José Machado Peixoto que adorava Zeca Afonso
quinta-feira, 9 de junho de 2011
Morreste-me
Sim morreste-me. Não te vi fechar os olhos, mas sei que foste em paz. Que sobrevivam, apesar da dor, os bons momentos, as alegrias, as situações inusitadas que tanto jeito tinhas para te envolver. (herdei isso de ti, sabias?)
Que te agradeço por tudo o que hoje sou.
Obrigada por tudo meu PAI.
Que te agradeço por tudo o que hoje sou.
Obrigada por tudo meu PAI.
António Ramos Rosa
A Leitora
"A leitora abre o espaço num sopro subtil.
Lê na violência e no espanto da brancura.
Principia apaixonada, de surpresa em surpresa.
Ilumina e inunda e dissemina de arco em arco.
Ela fala com as pedras do livro, com as sílabas da sombra.
Ela adere à matéria porosa, à madeira do vento.
Desce pelos bosques como uma menina descalça.
Aproxima-se das praias onde o corpo se eleva
em chama de água. Na imaculada superfície
ou na espessura latejante, despe-se das formas,
branca no ar. É um torvelinho harmonioso,
um pássaro suspenso. A terra ergue-se inteira
na sede obscura de palavras verticais.
A água move-se até ao seu princípio puro.
O poema é um arbusto que não cessa de tremer."
Lê na violência e no espanto da brancura.
Principia apaixonada, de surpresa em surpresa.
Ilumina e inunda e dissemina de arco em arco.
Ela fala com as pedras do livro, com as sílabas da sombra.
Ela adere à matéria porosa, à madeira do vento.
Desce pelos bosques como uma menina descalça.
Aproxima-se das praias onde o corpo se eleva
em chama de água. Na imaculada superfície
ou na espessura latejante, despe-se das formas,
branca no ar. É um torvelinho harmonioso,
um pássaro suspenso. A terra ergue-se inteira
na sede obscura de palavras verticais.
A água move-se até ao seu princípio puro.
O poema é um arbusto que não cessa de tremer."
quarta-feira, 8 de junho de 2011
John Steinbeck
"Era um velho magro e esfarrapado, que andava apressadamente, arrastando a perna direita, que tinha deslocada. Vinha atarefado, a abotoar as calças, e as mãos enrugadas e trémulas tinham dificuldade em realizar a tarefa, porque enfiara o botão de cima na casa de baixo e, assim, o último botão não tinha onde ser enfiado. Trajava calças escuras, muito rotas, e camisa azul, aberta de alto a baixo, que deixava à mostra a camisola, muito comprida e igualmente desbotada. O peito magro e branco, em que se emaranhavam fios de cabelo branco, via-se através da abertura da camisola. O velho desistiu de abotoar as calças, para se ocupar da camisola, mas depressa abandonou também essa tentativa e pôs-se a puxar os suspensórios castanhos. Possuía um rosto magro, facilmente excitável, de olhinhos brilhantes e maldosos como os de uma criança endiabrada. Era um rosto desagradável, rabugento, maldoso e escarninho; um rosto que combatia e argumentava, que contava histórias feias. Tinha traços de luxúria, vício, crueldade e impaciência. E, acima de tudo, de satisfação. Era um velho que, quando podia, bebia até cair, comia o mais que podia, quando para tal se lhe proporcionava ocasião e falava sem cessar."
Telhados de Vidro (4)
"Dizes-me que escrever é sempre um desejo de eternidade.
A velocidade da tua certeza, esse sempre manejado como
pluma, fazem-me sorrir (só os jovens, de facto, podem
ser deuses, têm de morrer depois para prosseguir).
Ainda assim respondo-te: talvez, mas não é assim que
o sinto. Escrever é para mim um desejo de viver mais
agora. Uma fúria, uma fome, um fósforo, uma gasolina.
Quanto à eternidade, temos as contas acertadas: nada
me deve, nem eu a ela. Quites, como se diz."
Jorge Roque
*Telhados de Vidro nº13 da (fabulosa) Averno
terça-feira, 7 de junho de 2011
Nuno Júdice (2)
Pedro, lembrando Inês
"Em quem pensar, agora, senão em ti? Tu, que
me esvaziaste de coisas incertas, e trouxestes a
manhã da minha noite. É verdade que te podia
dizer: "Como é mais fácil deixar que as coisas
não mudem, sermos o que sempre fomos, mudarmos
apenas dentro de nós próprios?" Mas ensinaste-me
a sermos dois; e a ser contigo aquilo que sou,
até sermos um apenas no amor que nos une,
contra a solidão que nos divide. mas é isto o amor:
ver-te mesmo quando te não vejo, ouvir a tua
voz que abre as fontes de todos os rios, mesmo
esse que mal corria quando por ele passámos,
subindo a margem em que descobri o sentido
de irmos contra o tempo, para ganhar o tempo
que o tempo nos rouba. como gosto, meu amor,
de chegar antes de ti para te ver chegar: com
a surpresa dos teus cabelos, e o teu rosto de água
fresca que eu bebo, com esta sede que não passa. Tu:
a primavera luminosa da minha expectativa,
a mais certa certeza de que gosto de ti, como
gostas de mim, até ao fim do mundo que me deste"
me esvaziaste de coisas incertas, e trouxestes a
manhã da minha noite. É verdade que te podia
dizer: "Como é mais fácil deixar que as coisas
não mudem, sermos o que sempre fomos, mudarmos
apenas dentro de nós próprios?" Mas ensinaste-me
a sermos dois; e a ser contigo aquilo que sou,
até sermos um apenas no amor que nos une,
contra a solidão que nos divide. mas é isto o amor:
ver-te mesmo quando te não vejo, ouvir a tua
voz que abre as fontes de todos os rios, mesmo
esse que mal corria quando por ele passámos,
subindo a margem em que descobri o sentido
de irmos contra o tempo, para ganhar o tempo
que o tempo nos rouba. como gosto, meu amor,
de chegar antes de ti para te ver chegar: com
a surpresa dos teus cabelos, e o teu rosto de água
fresca que eu bebo, com esta sede que não passa. Tu:
a primavera luminosa da minha expectativa,
a mais certa certeza de que gosto de ti, como
gostas de mim, até ao fim do mundo que me deste"
A Livreira (4)
Sabes...
Não existem suficientes palavras.
Quando já quase uma vida passou pelos nossas mãos. Sim ainda vamos rir muito, vamos de certeza também chorar.
Sabes do que eu mais gosto? Do silêncio de mais um dia que acabou, e eu agarrada ao meu livro vejo-te dormir, sabendo que no dia seguinte tudo começa de novo. Por todas as diferenças e indiferenças, pelo que nos une e aparta, pela rotina e pela surpresa, mas acima de tudo pelo Amor. Obrigada.
Não existem suficientes palavras.
Quando já quase uma vida passou pelos nossas mãos. Sim ainda vamos rir muito, vamos de certeza também chorar.
Sabes do que eu mais gosto? Do silêncio de mais um dia que acabou, e eu agarrada ao meu livro vejo-te dormir, sabendo que no dia seguinte tudo começa de novo. Por todas as diferenças e indiferenças, pelo que nos une e aparta, pela rotina e pela surpresa, mas acima de tudo pelo Amor. Obrigada.
segunda-feira, 6 de junho de 2011
Telhados de Vidro (3)
PONTA DO SOL
para a Inês
"Havia uma arco sobre o mar
e falésias onde o vento
doía muito. Tive medo
de encenar tão concretamente
a minha morte. O próprio restaurante
(lágrimas com bife de lombo)
avançava pela rocha dentro
numa espécie de resignação feliz
a um tempo menos capaz de ser tempo.
Mas chega a parecer ridícula
esta obstinação
de quem no mundo procura apenas
o inexistente fim do mundo.
Choravas, doutra maneira,
a juventude derrotada,
desatenta ao alarme das gaivotas
e que já nem o garrote da memória salva."
*Telhados de Vidro nº1 da (fabulosa) Averno
Carson McCullers
"O frio voltara, o Inverno envolvia aterra e a noite descia antes do último turno terminar o trabalho na fábrica. As crianças dormiam vestidas, as mulheres arregaçavam as saias para se aquecerem à lareira. Depois da chuva, a lama dos caminhos transformava-se em sulcos gelados, a luz dos candeeiros tremia no interior das casas e os pessegueiros tinham ramos nus e esqueléticos.
Durante as silenciosas e sombrias noites de Inverno, o café era o centro agradável para onde todos convergiam. As luzes brilhavam com tanta intensidade que podiam ser vistas a um quarto de milha. O enorme fogão de ferro fundido, ao fundo da sala, sussurrava dando estalidos, até ficar rubro. Miss Amélia arranjara cortinas vermelhas para as janelas e comprara a um caixeiro-viajante um braçado enorme de rosas de papel que pareciam naturais.
Mas não eram só as decorações e a claridade que faziam do café aquilo que era. Havia uma razão profunda para o café ser tão enaltecido. E esta razão profunda tinha que ver com um determinado orgulho antes desconhecido. Para compreender este novo sentimento é preciso não esquecer o pouco valor que se atribui à vida humana."
sábado, 4 de junho de 2011
Truman Capote
O Meu Lado da Questão
"Eis então os factos: No domingo, 12 de Agosto deste ano da graça do Senhor, Eunice tentou matar-me com a espada da Guerra Civil do pai e Olivia-Ann andou às facadas pela casa toda com um facalhão de quarenta centímetros para matar porcos. Isto para já não falar de muitas outras coisas.
Tudo começou há seis meses, quando casei com Marge. Foi o meu primeiro erro. Casámos-nos em Mobile, somente quatro dias depois de nos termos conhecido. Tínhamos os dois dezasseis anos e ela fora visitar a minha prima Georgia. Agora que já tive tempo de sobra para meditar no assunto, continuo sem entender por que diabo me fui apaixonar por uma criatura como ela. Não tem um palminho de cara, nem um corpo bonito, e não tem nada dentro da cabeça. No entanto, Marge é uma loura genuína, e talvez seja essa a resposta. Bom, estavamos casados is para três meses quando Marge apareceu grávida: o meu segundo erro."
sexta-feira, 3 de junho de 2011
Quando só Obrigada não chega...
Duarte,
Dizer obrigada é banal, é tido quase como uma obrigação quando alguém nos oferece algo.
Esta é a forma que tenho de te dizer que adorei o livro. Uma pequena delicia.
Beijo do tamanho do mundo de papel que me rodeia.
E que te rodeia a ti também.
Ana Teresa Pereira (3)
"A noite passada sonhei que tinha voltado à casa do avô. O jardim estava submerso em nevoeiro e o vento muito frio trazia-nos os sons indistintos da charneca.
Nós brincávamos aos fantasmas.
- Não vêem um fantasma naquela janela?
Lizzie, Miranda, John e eu. Devíamos ter nove ou dez anos, como na altura em que nos conhecemos. A primeira vez que os nosso pais nos mandaram para a casa do avô, nas férias de Verão.
Era o tempo em que acreditávamos em seis coisas impossíveis antes do pequeno almoço...
Quando despertei pareceu-me ouvir ainda as nossas vozes ao longe... Mas não havia nevoeiro. O sol brilhava num céu muito azul. (...) vim para a biblioteca do avô, porque estou a escrever um livro. Escrevo um pouco todas as manhãs: frases soltas, versos; listas de personagens, notas para um enredo vagamente policial.
Na verdade, passo a manhã quase toda a ler ou sentado na poltrona mais próxima da lareira a fumar. E a pensar nela.
Acho que nunca pensei tanto numa mulher. Nem mesmo em Lizzie. E eu amava Lizzie.
Eu finjo acreditar que ela é a Lizzie. Nunca mais lhe chamei Miranda; seria como acordar uma criança que está a dormir; ou interromper os passos de um sonâmbulo.
Porque ela pensa que é a Lizzie.
Percebi isso naquele dia, quando me falou dos amigos imaginários.
A morte de John não afectou muito. Mas Lizzie era a sua irmã gémea. As duas metades de um mesmo ser..."
*Dedicado a quem como eu ama o "mundo" de Ana Teresa Pereira: Raquel, Duarte e Neusa.
Confusões, tropeções e demais situações na vida de livreiro (13)
Isto aconteceu em tempos idos.
Quando trabalhei numa outra livraria tinha um colega de trabalho que achava que a Sophia era um autor estrangeiro. Por mais de quatro vezes tirei os livros da Sophia dos autores traduzidos. Não ganharia nada em chamar à atenção, assim, continuava a corrigir o erro. Até que uma tarde:
Colega - (um bocado esbaforido) Não sabes onde está o Rio das Flores?
Eu - Não. Mas olhando para ti diria que está nos autores traduzidos. Não te esqueças que é filho da Sophia de Mello Breyner Andresen!!
Quando trabalhei numa outra livraria tinha um colega de trabalho que achava que a Sophia era um autor estrangeiro. Por mais de quatro vezes tirei os livros da Sophia dos autores traduzidos. Não ganharia nada em chamar à atenção, assim, continuava a corrigir o erro. Até que uma tarde:
Colega - (um bocado esbaforido) Não sabes onde está o Rio das Flores?
Eu - Não. Mas olhando para ti diria que está nos autores traduzidos. Não te esqueças que é filho da Sophia de Mello Breyner Andresen!!
quinta-feira, 2 de junho de 2011
João Ricardo Lopes
X-Acto
"para que escutemos cada qual
o que o outro tem para dizer
há entre nós esta cidade inteira
esta lâmina de silêncio que nos
atravessa ao meio, igual à
nervura de uma folha.
não digas, eu não direi, como
cínzeo é o rosto que nos olha do
bastidor, uma lâmina de remorso
riscando-nos a pele - ninguém
a conhece, ninguém na verdade
a pediu. ela porém ilumina-se
na penumbra e bem ao meio
- facilmente - fende-nos a razão"
Ruído
Because I do not hope to turn again
T.S. Eliot
"tudo o que disse não disse.
luzes negrentas cevando os olhos
como se cedo fosse já tão tarde.
uma janela declina sobre nós
a pálpebra rude e silenciosa.
que tenha valido a pena. tudo"
Philip Roth
"Pendurada por cima do lava-louça dos Girardi há uma imagem de Jesus Cristo a subir ao Céu com uma camisa de noite cor-de-rosa. Ao que chega a degradação do ser humano! Desprezo os judeus pela sua estreiteza de vistas, pelo seu farisaísmo, pela incrível e bizarra sensação de superioridade que esses homens das cavernas que são os meus pais e parentes foram arranjar sabe-se lá onde - mas no capítulo da vulgaridade e do mau gosto, das crenças que até um gorila fariam corar, é absolutamente impossível levar a palma aos goyim. Só mesmo uns pobres trouxas sem nada dentro da cabeça é que podem adorar alguém que, primeiro, nunca existiu, e segundo, se existiu, com o aspecto que tem naquela imagem, era com certeza o maior maricas da Palestina. Com o cabelo cortado à pajem e uma pele de anúncio do Palmolive..."
quarta-feira, 1 de junho de 2011
Flannery O'Connor (2)
A Gente Sã Do Campo
"«Não», disse ela, olhando em frente e acelerando o passo. «Eu nem sequer acredito em Deus.»
Ao ouvir isto ele estacou e soltou um assobio. «Não!», exclamou, como se estivesse demasiado atónito para dizer qualquer coisa.
Ela continuou a andar e em breve ele estava a balouçar ao seu lado, abanando-se com o chapéu. «É muito pouco vulgar, para uma rapariga», comentou, observando-a pelo canto do olho. Quando chegaram à orla do bosque ele pôs-lhe outra vez a mão nas costas, puxou-a para si sem dizer uma palavra e beijou-a fogosamente.
O beijo, que tivera mais pressão que sentimento, produziu na rapariga a onda adicional de adrenalina que torna possível tirarem-se baús pesadíssimos de dentro das casas em chamas, mas, nela, o poder da descarga foi directamente para o cérebro. Antes mesmo de ele a libertar, a sua mente, clara, desafectada e indiferentemente irónica, estava a olhar para aquilo de uma distância muito grande, divertida mas apiedada. Nunca fora beijada antes, e ficou satisfeita por verificar que se tratava de uma experiência banal e totalmente controlável pelo cérebro. Há pessoas que apreciam a água da torneira desde que lhes digam que é vodca."
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