sábado, 12 de novembro de 2011

João Luís Barreto Guimarães (3)



‎"por favor fala mais alto (deve estar
alguém na linha) eu tenho os cabelos
brancos tu: a pele muito macia. a
solidão ao comprido é como quem joga

com dez (qualquer desculpa é desculpa
para esquecer o comprimido). ato um fio
no dedo para não esquecer a alegria

há aves cegas que cantam para fingir
companhia (segunda sexta domingo terça
sábado quinta) há de tudo nesta idade:

desde o deserto à mentira. por favor
fala mais alto (está decerto alguém
na linha) talvez seja a primavera nas
patas de uma andorinha"



‎"apetece por vezes com os dias morrer por um pequeno
instante e deixar os fogos soltos na areia: acrescentar
água à face e perturbar os sentidos em busca da única
luz ou então sentar os movimentos e escrever a uma


amiga. dizer assim como quem fala: que espécie rara
de deus é o teu? a vida é ficar abraçado às dunas
apenas se há dois braços de areia por quem sonhar.


vir então aos poucos contando os mastros do verão
cumprindo o desejo das cartas de mar e assim
mesmo confundir todos os relógios da rota só
para ter mais tempo para ficar. o resto é saber o


alfabeto de cor até ao fim até que as palavras vão
nascendo devagar para ser: sonho no sono dos dias
ou ser sono dentro de mim"




"Abro o caderno e escrevo que estou a escrever no caderno.
Por vezes a escrita dói, a tinta escorre e faz-se sangue, haver duas
palavras amigas a pairar sobre o poema e ao soar da caneta só
uma poder ter lugar.
Um rosto molhado aparece acenando pelo lado da chuva.
Gesticula a pergunta se me encontro a escrever. Sorrio, aquiescendo .
Deixa ficar um adeus e avança sobre os charcos, sem se ter apercebido
de que fiquei a escrever sobre isso, sobre aquele gesto dele, no fundo a escrever
sobre ele.
Não tivesse tocado no vidro, não teria entrado no poema."


A meias
"Bebo o meu café enquanto bebes
do meu café. Intriga-me que faças isso.
Se te posso pedir um
(se podes tomar um igual)
porque hás-de querer do meu?
Que
não. Que não queres. Escuso
de pedir
que não queres. Então
começo um cigarro e tu fumas
do meu cigarro dizes
«tenho quase a certeza de
não acabar um sozinha» por isso
fumas do meu.
Dá-te gozo esse roubar de
leves goles furtivos
dá gozo participar
do prazer que eu possa ter
contigo
(e entre nós)
dá-se agora tudo 
a meias."


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