quarta-feira, 2 de novembro de 2011

Flaubert (3)


Um coração simples
"Levantava-se o alvorecer, para não faltar à missa, e trabalhava até o fim da tarde sem interrupção; depois, acabado o jantar, com a loiça em ordem e a porta bem fechada, enterrava a acha de lenha debaixo das cinzas e adormecia diante da lareira, de rosário na mão. Ninguém era mais obstinada a regatear preços. Quanto a asseio, o brilho das suas caçarolas fazia o desespero das outras criadas. Poupada que era, comia devagarinho e recolhia a dedo de cima da mesa as migalhas do seu pão - um pão de doze libras, cozido expressamente para ela, e que durava vinte dias. 
Usava durante todo o ano um lenço de chita preso nas costas por um alfinete, uma touca que lhe tapava o cabelo, meias cinzentas, saia encarnada e, por cima da camisa larga, um avental de peitilho como as enfermeiras do hospital.
Tinha uma cara magra e voz aguda. Aos vinte e cinco davam-lhe quarenta. A partir dos cinquenta deixou de ter idade; e, sempre silenciosa, de figura inteiriça e gestos medidos, parecia feita de madeira, a funcionar automaticamente."

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