segunda-feira, 30 de abril de 2012

Eugénio de Andrade (2)

Corpo habitado


"Corpo num horizonte de água,
corpo aberto
à lenta embriaguez dos dedos,
corpo defendido
pelo fulgor das maçãs,
rendido de colina em colina,
corpo amorosamente humedecido
pelo sol dócil da língua.

Corpo com gosto a erva rasa
de secreto jardim,
corpo onde entro em casa,
corpo onde me deito
para sugar o silêncio,
ouvir
o rumor das espigas,
respirar
a doçura escuríssima das silvas.

Corpo de mil bocas,
e todas fulvas de alegria,
todas para sorver,
todas para morder até que um grito
irrompa das entranhas,
e suba às torres,
e suplique um punhal.
Corpo para entregar às lágrimas.
Corpo para morrer.

Corpo para beber até ao fim –
meu oceano breve
e branco,
minha secreta embarcação,
meu vento favorável,
minha vária, sempre incerta
navegação."

1 comentário:

  1. "Dos cuerpos frente a frente
    son a veces dos olas
    y la noche es océano.

    Dos cuerpos frente a frente
    son a veces dos piedras
    y la noche desierto.

    Dos cuerpos frente a frente
    son a veces raíces
    en la noche enlazadas.

    Dos cuerpos frente a frente
    son a veces navajas
    y la noche relámpago.

    Dos cuerpos frente a frente
    son dos astros que caen
    en un cielo vacío."

    Octavio Paz

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