quinta-feira, 19 de abril de 2012

Ana Teresa Pereira (7)



"Caía uma chuva miudinha quando John saiu do cinema. Levantou a gola do impermeável e afundou-se na rua submersa em nevoeiro.
Na sua mente continuavam a passar imagens do filme. Um filme de Alfred Hitchcock, com Cary Grant e Ingrid Bergman. Aquele beijo interminável, a mulher cambaleando junto ao banco de jardim, o baile, a chave escondida na mão, tudo lhe fazia lembrar um conto de fadas. Talvez porque, como Chesterton, tinha uma visão do mundo nascida dos contos de fadas...
O nevoeiro transformara-se numa leve neblina quando se aproximou do parque. As trevas tornaram-se menos frias, quase doces e um perfume de flores e terra molhada fê-lo respirar fundo. Inesperadamente, ouviu uma voz que cantava entre as árvores.
Deteve-se por instantes, sem saber o que fazer. Não se via ninguém e o mundo era um espaço nevoento que os candeeiros a gás, de longe a longe, tornavam ainda mais irreal.
Deu uns passos em frente e apercebeu-se de que a claridade do luar atravessava a folhagem das árvores, como se o jardim estivesse noutra dimensão, longe dos chuviscos e do nevoeiro de Londres.
Agora já percebia as palavras.
«I wish, I wish, but it's all in vain,
I wish I were a maid again;
But a maid again I never shall be
Till apples grow on a orange tree.»
A impressão de irrealidade acentuou-se quando viu a mulher.
Ela estava de pé, junto aos baloiços vazios, e tinha um vestido branco.
John aproximou-se e viu-a estender o braço para um baloiço que se pôs em movimento com um pequeno rangido.
«Um jardim para crianças mortas», pensou, olhando para a areia molhada."

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