"Os meus livros (que não sabem que existo) São uma parte de mim, como este rosto De têmporas e olhos já cinzentos Que em vão vou procurando nos espelhos" Jorge Luis Borges
quinta-feira, 28 de julho de 2011
Rui Manuel Amaral (2)
Uma pessoa feliz
"Innocentius Prioris era, sem dúvida alguma, uma pessoa feliz. Muito feliz. Desde sempre, profundamente feliz. Por isso, esfregava as mãos e girava sobre si mesmo cantarolando velhas valsas. E enchia o peito aspirando o ar com prazer, consciente de que era iluminado por uma boa estrelinha. E abria os braços e batia com os pés no chão, e mostrava os dentes amarelos, e deitava a língua de fora, e fazia piruetas, e dava gritinhos, porque se sentia muito feliz. E adormecia satisfeito e tinha sonhos felizes, e acordava cheio de felicidade. E dava graças a Deus e a Santo Inácio, e a todos os santos, e a todas as santas pela alegria concedida. Oh, era feliz, feliz, feliz, feliz. E se multiplicássemos a sua boa fortuna por mil ainda ficaríamos longe da medida correcta da sua felicidade.
E pronto, é tudo.
Esperavam talvez que, de repente, alguma coisa conduzisse a história numa direcção totalmente diversa? Que irrompesse de algum lado um grão de areia, uma pedra, um vidrinho afiado que colocasse um ponto final em tanta felicidade? Compreendo. Mas não. Innocentius viveu e morreu feliz, muito, muito feliz. E não digo nada acerca da alegria com que foi recebido no Paraíso, por ser coisa óbvia."
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