domingo, 11 de setembro de 2011

Philip Roth (2)


"Aqui cessa a memória. Doses consecutivas de morfina injectadas no braço tinham mergulhado o Soldado Messner num estado prolongado da mais profunda inconsciência, embora sem lhe suprimir os processos mentais. Desde pouco depois da meia-noite, tudo nele jazia no limbo menos a mente. Antes do momento da cessação, do momento em que deixava de ter salvação e de poder recordar, a série de doses de morfina tinha-lhe de facto impregnado o reservatório do cérebro como se de combustível mnemónico se tratasse, ao mesmo tempo que amortecia a dor das feridas de baioneta que por pouco não lhe tinham arracando uma perna e reduzido a pequenos pedaços os intestinos e os órgãos genitais. As trincheiras de montanha em que tinham vivido durante uma semana protegidos por um bocado de arame farpado numa encosta pedregosa da região central da Coreia tinham sido atacados durante a noite pelos chineses e havia corpos despedaçados por todo o lado. Quando a espingarda automática encravou foi o fim dele e de Brunson, o seu parceiro - já não se via rodeado de tanto sangue desde os seus tempos de rapaz no matadouro, quando assistia ao abate ritual de animais segundo a lei judaica. E a lâmina de aço que o retalhou era tão afiada e eficiente como as facas que se usavam no talho para cortar e amanhar a carne para as freguesas."

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