quinta-feira, 15 de setembro de 2011

MAV


As horas

    Um homem que caminha é agarrado pelo braço. Detém-se e atenta em quem o agarrou.
    - As horas.
    Espreita o relógio.
    - Sete e meia. 
    O outro, ainda com a mão a envolver-lhe o braço, esboça um sorriso.
   - Vejo que não me estou a fazer entender.
   - Perguntou-me as horas. Como lhe disse, são sete e meia.
   - Não - diz, abanando a cabeça. - Apenas disse «as horas».
   O homem mantém-se calado por momentos. Entretanto, o braço começa a doer-lhe.
   - Por que me agarra assim? 
   - Não faça perguntas. Limite-se a responder.
   O outro faz que sim com a cabeça.
   - Óptimo. Diga-me então as horas.
   Não sabe o que dizer. Apenas conhece as horas do relógio, de modo que se fixa no homem com um olhar perdido.
    - Diga-me as horas - insiste, cerrando os dentes e apertando o braço com mais força.
    Permanece imóvel, sente medo.
    - Que horas, senhor? 
   Subitamente, o homem que o agarra leva a mão esquerda ao interior do casaco e de lá saca um revólver. 
    - As horas que lhe restam. 
   O outro estremece e recua um passo. Fita o revólver de olhos esbugalhados.
    - Ouça, não me faça mal. Eu...
   - Chiu - interrompe. - Fiz-lhe uma pergunta simples: as horas.
    Tomado por um pânico intenso, na sua cabeça desfilam todas as palavras possíveis. Todavia, a velocidade é tal que não tem como segurá-las.
    - Todas as horas até morrer - responde por fim.
    Terminada a frase, o outro solta-lhe o braço e guarda o revólver.
    - Muito bem - diz, dando-lhe uma palmadinha no ombro com expressão sorridente. Acena com a cabeça, vira costas e, enquanto se afasta, acrescenta: - É sempre bom arranjar um amigo, alguém a quem possamos voltar quando precisarmos. 

"roubado" Aqui

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