terça-feira, 6 de setembro de 2011

José Mateos


"Perdura em algum lado esse outro mundo
que se entrevê na quietez do tempo?
E na árvore vive o sol de outono?
E as suas folhas que dão calma e sombra
ao que se senta a amar, a ler a vida?
No vazio que espremes, dura o ar,
como duram e dentro de nós morrem,
de nós que estamos vivos, nossos mortos?


Se esta tarde se vai porque regressa,
se não acaba nunca de ir a água
do rio em sombra pelos brancos alámos,
se vês ainda a estrela que morreu,
se passa o vento e vira em cada esquina,
apaga marcas e desperta odores
que são versos, lugares e são imagens,


a criança que emerge do olvido
a sorrir-te na redoma de um sonho,
a noite a bordo de uma notas mágicas
ou, no espelho que não turva o sopro,
os rostos que tiveste, resumidos
no teu último rosto, serão só
data e mármore, lágrimas, ferrugem?
Perder-se-ão contigo essas lembranças?


Onde que morre e nasce na que vem;
pedra que sob o mar tranquilo espera
surgir um dia reluzente e outra;
esquecido jardim que, de repente,
aparece na névoa; e no quarto
do hospital, onde o doente sua,
vento fresco da alba. Ao olhares,
a onde olhares, são presenças, corpos,
que tendo sido rios caudalosos,
vão já para o seu fim ou são semente
dum próximo Abril? O que contemplas
em cada coisa, agora que é vida
branca toalha, cova muda, carta
sem resposta, é morte ou outra vida
diversa desta contenda e tempo?"

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