segunda-feira, 5 de setembro de 2011

Elias Canetti


"Às seis em ponto da manhã, o professor levantava-se do seu sofá-cama. Vestir-se e lavar-se era questão de pouco tempo. Para a noite, antes de se deitar, ela arranjava-lhe o divã e empurrava a mesita-lavatório, que tinha rodas, até ao centro do escritório. Podia ficar ali toda a noite. Um biombo com quatro bastidores, pintado por fora com caracteres estranhos, encontrava-se instalado de tal forma que lhe poupava o lamentável espectáculo. Kien não podia suportar os móveis. Inventara o lavatório com rodas-, como ele próprio lhe chamava, para que o repugnante artefacto desaparecesse mais depressa da sua vista mal ele se tivesse servido dele. Às seis e um quarto abria a porta e empurrava com força o lavatório rolante: o impulso fazia-o rodar pelo corredor até embater violentamente contra a parede, junto à porta da cozinha. Teresa esperava-o ali; o seu quartito era contíguo. Abria a porta e gritava-lhe: - Levantado? - Contudo, ele não respondia e voltava a fechar-se por dentro. Depois ficava em casa até às sete. O que fazia ele naquele intervalo de tempo? Mistério! O resto do tempo passava-o sentado à sua secretária, a trabalhar.
A enorme secretária, escura e pesada, estava cheia até cima de manuscritos e, ainda por cima, carregada de livros. Se alguém mexesse, ainda que com as máximas cautelas, em qualquer das suas gavetas, ela deixava escapar um silvo agudo."

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