quinta-feira, 21 de junho de 2012

(In)dizível


Desassossego (15)

"E assim sou, fútil e sensível, capaz de impulsos violentos e absorventes, maus e bons, nobres e vis, mas nunca de um sentimento que subsista, nunca de uma emoção que continue, e entre para a substância da alma. Tudo em mim é a tendência para ser a seguir outra coisa; uma impaciência da alma consigo mesma, como com uma criança inoportuna; um desassossego sempre crescente e sempre igual. Tudo me interessa e nada me prende. Atendo a tudo sonhando sempre; fixo os mínimos gestos faciais de com quem falo, recolho as entoações milimétricas dos seus dizeres expressos; mas ao ouvi-lo, não o escuto, estou pensando noutra coisa, e o que menos colhi da conversa foi a noção do que nela se disse, da minha parte ou da parte de com quem falei. Assim, muitas vezes, repito a alguém o que já lhe repeti, pergunto-lhe de novo aquilo a que ele já me respondeu; mas posso descrever, em quatro palavras fotográficas, o semblante muscular com que ele disse o que me não lembra, ou a inclinação de ouvir com os olhos com que recebeu a narrativa que me não recordava ter-lhe feito. Sou dois, e ambos têm a distância - irmãos siameses que não estão pegados"

Bernardo Soares (Fernando Pessoa)

quarta-feira, 20 de junho de 2012

Inês

Obrigada pelo belo Coração de Papel que guardas dentro do teu peito de livreira...
O meu fica amarfanhado...

Last night I felt...


Carlos Alberto Machado (3)

"Não disse as palavras certas
faltou-me o tom e o talento
não tires da minha boca
as palavras que não ouviste
a responsabilidade é tua já te disse
organiza como quiseres as palavras
e os silêncios
o ritmo certo da morte escolhe-o tu
a minha boca continua fechada."

in A Realidade Inclinada, Averno

Garfield



terça-feira, 19 de junho de 2012

Jorge Roque (4)

Chave

"A porta encravou-se na fechadura. O sorriso ficou esmagado
contra o batente. Carne, dor, ferro e ossos, fundidos num só
corpo sangue. Como ver através de tanto sangue? Como o
decifrar? Como o receber? A chave que procuras só o tempo
a poderá trazer. Entretanto, é tomar o comprimido e esperar,
já não por outro dia, mas por outro ano, outra vida. Sabendo
que só há esta. Sabendo que os anos, como os dias, se repetem.
Sabendo que a chave que houver, só poderá abrir outra porta.
Sabendo que o sorriso que nascer, só poderá pertencer a 
outros lábios."

in Broto Sofro, Averno

Edgar Allan Poe (2)

A Dream Within A Dream

"Take this kiss upon the brow!
And, in parting from you now,
Thus much let me avow-
You are not wrong, who deem
That my days have been a dream;
Yet if hope has flown away
In a night, or in a day,
In a vision, or in none,
Is it therefore the less gone?
All that we see or seem
Is but a dream within a dream.

I stand amid the roar
Of a surf-tormented shore,
And I hold within my hand
Grains of the golden sand-
How few! yet how they creep
Through my fingers to the deep,
While I weep- while I weep!
O God! can I not grasp
Them with a tighter clasp?
O God! can I not save
One from the pitiless wave?
Is all that we see or seem
But a dream within a dream?"

560 (15)


segunda-feira, 4 de junho de 2012

(embalo)


Canto(s)

"canta, dizes tu.
(Brel toca baixinho)
e eu não sei cantar.

doi-me os pés dos
sapatos novos que me deste
a pizza que nos serviram
estava já fria

canta, dizes tu.
(Brel continua a toca baixinho)
e eu não sei se cantar.

quero uma daquelas
parvoices de cinema
que me tomes nos braços
e me dês um beijo.

canta, dizes tu.
- eu amo-te
(acho que Brel ainda toca baixinho)"

Raquel G.

*para o Gabriel