sábado, 30 de abril de 2011

Al Berto





ouve-me
que o dia te seja limpo e
a cada esquina de luz possas recolher
alimento suficiente para a tua morte

vai até onde ninguém te possa falar
ou reconhecer - vai por esse campo
de crateras extintas - vai por essa porta
de água tão vasta quanto a noite

deixa a árvore das cassiopeias cobrir-te
e as loucas aveias que o ácido enferrujou
erguerem-se na vertigem do voo - deixa
que o outono traga os pássaros e as abelhas
para pernoitarem na doçura
do teu breve coração - ouve-me

que o dia te seja limpo
e para lá da pele constrói o arco de sal
a morada eterna - o mar por onde fugirá
o etéreo visitante desta noite

não esqueças o navio carregado de lumes
de desejos em poeira - não esqueças o ouro
o marfim - os sessenta comprimidos letais
ao pequeno-almoço

Respiro...

A mágoa é um vício

A mágoa é um vício, a ele volto 
pelas madeiras desta casa, as memórias 
são mais que os sinais pendurados
ao longo das paredes, não descrevo
o que vejo. O que sinto quase 
está no silêncio, deixa de ser tempo
o tempo da noite, nos papéis 
há desenhos que o matam, pontos
ganhos, contas de somar, fáceis
artimanhas evitando as palavras. Nada
difere de como ponho a mão na testa,
de como se afasta o sol para trás
dos castanheiros. Tento dizer
que sou como vós, leves amantes
de suaves lazeres, contradigo, desminto,
nada acontece. Para o dia de hoje
um pequeno esboço de tristeza, derrota
de cumprir, tarefa de vencer, antes
da noite os ombros, as rugas, terão
significado preciso. Só o recomeço
será tempo de sorrisos.

Helder Moura Pereira

Karnezis

"Teria pensado duas vezes antes de dizer o que disse, se na altura soubesse que as alfaces do campo que se via pela janela eram regularmente fertilizadas com o sangue de homens que proferiam insultos bem menores. Mas o latifundiário cerrou os dentes e respondeu apenas: - Só te perdoo, meu amor, porque és a mãe do meu filho."

Saul Bellow




"As mágoas têm matado muitíssima gente. E pode seguramente calcular-se que morre mais gente de mágoa do que de radiações atómicas, mas não existem movimentos de massas nem manifestações de rua contra ela."

Mishima




 “a glória, como vós sabeis, é uma coisa amarga”.