O Gerânio
"Nova Iorque era elegante e agitada num instante, suja e mortiça no seguinte. A filha dele nem sequer morava numa casa. Morava num prédio - no meio de uma fileira de prédios todos iguais, cinzentões e vermelhos, enegrecidos, cheios de gente de voz aspera que ficava pendurada para fora da janela a olhar para outras janelas e outra gente como aquela que olhava também. Dentro do prédio podia subir-se e podia descer-se e havia um sem-fim de corredores que faziam lembrar fitas métricas desenroladas com portas de centímetro em centímetro. Recordava-se de ter ficado espantado com o prédio na primeira semana. Acordava na expectativa de os corredores terem mudado de sítio a meio da noite, espreitava pela porta e lá estavam eles, estendidos como canis corridos. As ruas também eram assim. Perguntava-se a si próprio onde iria parar se caminhasse até ao fim de uma delas. Numa noite sonhou que assim fazia e ia ter à porta do prédio - a lado nenhum.
Na semana seguinte tornou-se mais consciente da presença da filha, do genro e do filho de ambos - não havia canto onde não os estorvasse. O genro era uma ave rara. Conduzia um camião e só vinha a casa aos fins-de-semana. Dizia «ná» em vez de «não» e nunca tinha ouvido falar em sarigueias.
O velho Dudley dormia no quarto com o menino, que tinha dezasseis anos e com quem não se podia falar. Mas às vezes, quando o velho Dudley e a filha ficavam sós no apartamento, esta sentava-se para conversar com ele. Primeiro tinha de pensar em qualquer coisa para dizer. Normalmente esgotava o assunto antes de chegar o que considerava ser a altura correcta para se levantar e ir fazer outra coisa, portanto ele tinha de dizer fosse o que fosse. Ela nunca se dignava a ouvir a mesma conversa duas vezes. Estava empenhada em que o pai passasse os últimos anos de vida com a própria família e não numa residência decrépita cheia de velhotas de cabeças trémulas. Estava a cumprir o seu dever. Tinha irmãos e irmãs que não cumpriam."
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