quarta-feira, 1 de junho de 2011

Flannery O'Connor (2)



A Gente Sã Do Campo

"«Não», disse ela, olhando em frente e acelerando o passo. «Eu nem sequer acredito em Deus.»
Ao ouvir isto ele estacou e soltou um assobio. «Não!», exclamou, como se estivesse demasiado atónito para dizer qualquer coisa.
Ela continuou a andar e em breve ele estava a balouçar ao seu lado, abanando-se com o chapéu. «É muito pouco vulgar, para uma rapariga», comentou, observando-a pelo canto do olho. Quando chegaram à orla do bosque ele pôs-lhe outra vez a mão nas costas, puxou-a para si sem dizer uma palavra e beijou-a fogosamente.
O beijo, que tivera mais pressão que sentimento, produziu na rapariga a onda adicional de adrenalina que torna possível tirarem-se baús pesadíssimos de dentro das casas em chamas, mas, nela, o poder da descarga foi directamente para o cérebro. Antes mesmo de ele a libertar, a sua mente, clara, desafectada e indiferentemente irónica, estava a olhar para aquilo de uma distância muito grande, divertida mas apiedada. Nunca fora beijada antes, e ficou satisfeita por verificar que se tratava de uma experiência banal e totalmente controlável pelo cérebro. Há pessoas que apreciam a água da torneira desde que lhes digam que é vodca."

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