sexta-feira, 21 de dezembro de 2012

Alfonso Barrocal


"Às vezes paro à porta
com o olhar perdido e habituado ao silêncio,
há mais desertos ainda, dias
e morte noutros olhos.
Com a garganta habituada à sede,
com os pés às feridas,
saio para a rua
e já não há umbrais.

Ando um dia, passo outro,
acabo uma semana de vidros partidos
e tosse mais velha.
Hoje parece que sempre
choveu sobre mim,
e não me importa
se a chuva já não se parece ao esquecimento
e apenas deixa charcos, paredes mais sujas
e fuligem e tristeza nos olhos de rímel,
ainda tenho sede
e não me importa
voltar às coisas más e aos velhos tugúrios
à procura de algo que não encontro nem recordo,
que costuma principiar por um encontro,
talvez por outra palavra
e corre o perigo de crispar-se
até à forma da folha da faca.

Às vezes tudo é tão estranho
que não basta continuar a andar."


in Poesia Espanhola, anos 90, Relógio D´Água

*to J. thanks :)

2 comentários: