Cessar, dormir, substituir esta consciência intervalada por melhores coisas melancólicas ditas em segredo ao que me desconhecesse!... Cessar, passar fluido e ribeirinho, fluxo e refluxo de um mar vasto, em costas visíveis na noite em que verdadeiramente se dormisse!... Cessar, ser incógnito e externo, movimento de ramos em áleas afastadas, ténue cair de folhas, conhecido no som mais que na queda, mar alto fino dos repuxos ao longe, e todo o indefinido dos parques na noite, perdidos entre emaranhamentos contínuos, labirintos naturais da treva!... Cessar, acabar finalmente, mas com uma sobrevivência translata, ser a página de um livro, a madeixa de um cabelo solto, o oscilar da trepadeira ao pé da janela entreaberta, os passos sem importância no cascalho fino da curva, o último fumo alto da aldeia que adormece, o esquecimento do chicote do carroceiro à beira matutina do caminho... O absurdo, a confusão, o apagamento - tudo que não fosse a vida... E durmo, a meu modo, sem sono nem repouso, esta vida vegetativa da suposição, e sob as minhas pálpebras sem sossego paira, como a espuma quieta de um mar sujo, o reflexo longínquo dos candeeiros mudos da rua.
Durmo e desdurmo.
Bernardo Soares (Fernando Pessoa)
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